sexta-feira, maio 19, 2006

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Muito além das falanges


- Eu não acredito no que meus olhos estão vendo! - o tempo que o rosto levou para ficar vermelho foi o mesmo que o cérebro precisou para processar a informação e transformá-la em palavras.
- O que aconteceu, papai, senhor meu pai?
- Mas que pouca vergonha! Como se atrevem, bem debaixo do meu nariz! Minha filha! Como pôde!
- Papai, não entendo, o que está acontecendo?
- Margarete, venha cá, veja o que está acontecendo no sofá da nossa sala! Oh, meu Deus, como isso pôde acontecer!
- O que houve, meu marido!
- Nossa filha e esse rapaz!
- Sim, ele é pretendente de nossa menina!
- Pretendente? Pretendente e atrevido! Pois saiba que flagrei os dois sentados lado a lado e, nem sei como dizer, encostando seus dedinhos mindinhos um no do outro!
- Minha filha? Isso aconteceu mesmo?
- Papai, meu pai, não acredito! Nós apenas encostamos os dedos mindinhos, o Roberval nem ao menos pegou na minha mão!
- Mas era só o que me faltava! Aí já é demais! Meu Deus do céu, minha Nossa Senhora Aparecida! Onde este mundo vai parar! - Dizia dando voltas ao redor da mesinha de centro.
- Papai, por favor, já estamos em 1940!
- E isso é motivo para ficarem com essa pouca vergonha aqui na sala?
- Mas...
- Não pode ser, ainda não acredito no que meus olhos viram! Os mindinhos se encostando, se entrelaçando. O dedinho mindinho da minha filha, ela que criamos com tanto cuidado, se enroscando do dedo peludo desse rapagão! Os dedos ali, se enroscando como duas minhocas, um macho e uma fêmea, dois seres se acasalan... Não! Já chega! Estou decidido!
- O que vai fazer papai? O que pretende?
- O que quer fazer meu marido?
- O que o senhor vai fazer, senhor?
- Fique quieto você, rapaz! Ai, meu pai, esse homem perverteu minha filha, tão inocente que era e a pego enroscando o dedo mindinho no dedinho desse um aí! Mas isso não fica assim, não, vai ter que casar!
- Casar?????
- Casar????
- Casar????
- Isso, está decidido, amanhã mesmo vou providenciar os proclames. Ana Lúcia, minha filha, você agora é noiva do... do...
- Roberval, senhor, me chamo Roberval.
- Fique quieto, já disse!
- Mas, senhor, não aconteceu nada!
- Ah, não me venha com desculpas! Depois de ter desonrado minha filha, agora quer escapar à responsabilidade!
- Mas, senhor...
- Nada de mas, está decidido. Vocês vão se casar o mais rápido possível, não posso admitir filha minha entrando na igreja de barriga.
- Papai, mas não aconteceu nada!
- Não aconteceu nada? Hã? Pensa que eu não vi? Os mindinhos, minha filha, os mindinhos! Que pouca vergonha, que decepção!
- Meu marido, não está sendo precipitado?
- Quietos os três. Você, Ana Lúcia, vá para o seu quarto e troque de roupa, coloque algo mais adequado. Você, minha esposa, quero que vá até nosso quarto e traga o anel que foi de sua mãe, esse rapaz há de assumir o compromisso hoje mesmo.
- Senhor, eu ainda sou muito novo!
- Agora é tarde. O estrago já está feito. Fique aí e espere.
Passados alguns minutos, a menina, em prantos, retorna à sala.
- Venha, filha, fique do lado do seu futuro marido. Rapaz, pegue o anel e repita tudo o que eu disser! Diga: Ana Lúcia, quero que aceite este anel...
- A-A-Ana Lúcia, que-quero que açaçaceite este anel...
- Como prova de meu amor...
- Como pe-pra-prova de meu amo-mor...
- Para ficarmos juntos para o resto de nossas vidas, ou você para de gaguejar ou vai levar chumbo. Margarete, alcance minha espigarda!
- Ai, ai, ai..
- Vamos, repita!
- Para ficarmos junto-tos para o resto de nossas vi-vidas...
- Vá, enfie o anel no dedo dela, no anelar, prete atenção, no anelar...
- Sim, senhor...
- Pronto! Agora você já está noiva minha filha! Consegui consertar tudo! Amanhã mesmo vou marcar a data na igreja. Graças a Deus, ontem, pura, agora há pouco, desonrada, mas, graças a mim, o estrago foi arrumado.
Depois de sete segundos, os mais longos de sua vida, o rapaz desmaiou. E não acordou mais. Roberval, que tinha sérios problemas cardíacos, herança da família do pai, não suportou a emoção tamanha e desabou no tapete azul floral da sala. Acabara ali o noivado mais rápido de que se tivera notícia restando apenas Ana Lúcia, menina sardenta dos olhos verdes e cabelos cor de mel, mãe do mindinho e víúva do marido que foi, sem nunca ter sido.


5 comentários:

Cecília França disse...

Lu! Muito bom, adorei! Parabéns comparsa, vc é muito boa nisso!
Ah... será que já saímos de 1940???
rsrs...
Beijos.

Anônimo disse...

Hehe, às vezes tenho minhas dúvidas...
beijos!

z0z disse...

haha, ducaralho!! eu tinha caído no seu blog no começo da semana, mas tava bêbado e a cor do título com o fundo me deixou meio zonzo, então fechei sem ler...
hoje, inacreditávelmente sóbrio pude ler...gostei bastante.

Anônimo disse...

Hehehe, valeu!!
bejião!

Anônimo disse...

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